A tragédia moral em Rio do Sul: quando a lama não vem das enchentes, mas da política
Rio do Sul já conhece a dor das águas que sobem e invadem lares, arrastando memórias, bens e esperanças. Mas, como se não bastasse a tragédia natural, agora a cidade assiste a outro tipo de inundação: a lama moral que escorre da tribuna da Câmara Municipal.
Na última segunda-feira, 22 de setembro de 2025, o plenário foi palco de um constrangimento coletivo. Sentados em suas cadeiras, os vereadores se viram diante de um dilema incômodo: respeitar o princípio da presunção de inocência ou reconhecer que manter no cargo uma colega denunciada por supostamente integrar uma organização criminosa voltada a fraudar licitações e desviar recursos da saúde seria uma afronta ao próprio decoro da Casa.

A protagonista do drama é a vereadora Sueli Oliveira, acusada pelo Ministério Público de se beneficiar de contratos forjados em meio às licitações emergenciais decorrentes das enchentes de 2023. Enquanto a população contava prejuízos e buscava abrigo, a engrenagem da corrupção — se confirmada — funcionava a pleno vapor, transformando calamidade em oportunidade.
Sueli, como esperado, subiu à tribuna com veemência. Entre gestos firmes e voz exaltada, negou qualquer envolvimento, clamou pela justiça e apresentou-se como vítima de perseguição. O roteiro, convenhamos, não é novo. Mas o desgaste moral já estava consumado.
O pedido de abertura do processo disciplinar foi amparado pelo suplente Lucas Jean, do Partido NOVO, que fez a distinção óbvia, mas necessária: não se trata de julgar o mérito da acusação — tarefa do Judiciário — e sim de avaliar a quebra de decoro. A Câmara, afinal, não é tribunal de justiça, mas tampouco pode ser refém da conivência com suspeitas de corrupção.
Sob a pressão da opinião pública, os vereadores optaram pela unanimidade. Abriu-se, assim, um processo que terá 90 dias para ser concluído, com relatório final redigido pelos vereadores sorteados Marcela, Ivan e Ricardo. Caso Sueli seja cassada, quem assume é seu suplente Ítalo Goral, ironicamente um dos que votaram a favor da abertura do processo.
O dilema é claro: poderia a Câmara de Rio do Sul — instituição que deveria representar a dignidade da cidade — compactuar com o prolongamento de um mandato manchado por suspeitas tão graves? Aceitar que a vereadora permanecesse, escorada no eterno “aguardar o trânsito em julgado”, seria condenar a política local a anos de desgaste e desconfiança.
A cidade, já castigada pela força implacável da natureza, exige justiça diante de sua própria classe dirigente. E justiça, aqui, não é apenas condenação penal — é também preservar a integridade do espaço público contra aqueles que, em vez de servir, aproveitam-se da miséria alheia.
Entre as águas turvas das enchentes e a lama espessa da política, Rio do Sul aguarda. Não se sabe ainda se a vereadora cairá. Mas uma verdade se impõe: a corrupção não pode ser tratada como acidente natural. Ela é obra humana — e, como tal, deve ser enfrentada com firmeza, sem complacência e sem o álibi covarde da espera infinita.