Quando o Estado entra pela porta da frente e não sai mais

Não é de hoje que a saúde pública brasileira agoniza na UTI. A precarização dos serviços, a escassez de recursos e a ineficiência na gestão compõem um cenário crônico de abandono. Apesar de esforços pontuais em nível regional e federal, as políticas públicas parecem incapazes de curar o mal que elas mesmas ajudaram a cultivar. O que deveria ser um compromisso com o pagador de imposto, transformou-se, há tempos, em um campo de disputas ideológicas e eleitoreiras. A saúde, que deveria ser objeto de responsabilidade solidária das famílias, das comunidades e de instituições livres, foi sequestrada pela promessa estatal de ser um 'direito garantido' – promessa essa que jamais conseguiu cumprir, converteu-se em moeda de troca: promessas de melhorias em troca de votos, favores escusos travestidos de políticas públicas.
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Vlad Brasil

Vlad Brasil

Não é de hoje que a saúde pública brasileira agoniza na UTI. A precarização dos serviços, a escassez de recursos e a ineficiência na gestão compõem um cenário crônico de abandono. Apesar de esforços pontuais em nível regional e federal, as políticas públicas parecem incapazes de curar o mal que elas mesmas ajudaram a cultivar. O que deveria ser um compromisso com o pagador de imposto, transformou-se, há tempos, em um campo de disputas ideológicas e eleitoreiras. A saúde, que deveria ser objeto de responsabilidade solidária das famílias, das comunidades e de instituições livres, foi sequestrada pela promessa estatal de ser um ‘direito garantido’ – promessa essa que jamais conseguiu cumprir, converteu-se em moeda de troca: promessas de melhorias em troca de votos, favores escusos travestidos de políticas públicas.

Mais do que um problema técnico, estamos diante de uma questão cultural profundamente enraizada. O Estado brasileiro, ao longo das décadas, assumiu para si responsabilidades que tradicionalmente caberiam à família, especialmente no que tange à educação moral, social e até sanitária das crianças. Sob o pretexto de garantir os chamados ‘direitos sociais’ – conceito moderno que frequentemente serve mais para expansão do poder estatal do que para verdadeira justiça – criou-se um aparato estatal robusto, burocrático e, muitas vezes, ineficaz. Paralelamente, testemunhamos o enfraquecimento do papel dos pais, que se viram gradualmente afastados de decisões fundamentais sobre a criação de seus próprios filhos.

Essa transferência de responsabilidades culmina agora em mais um episódio polêmico: a vacinação obrigatória de crianças nas escolas. Ainda que campanhas de imunização em ambientes escolares não sejam novidade no Brasil, a tentativa recente de tornar esse processo compulsório acende um alerta. O Estado, que antes fragilizou a autoridade parental, agora impõe-se como único agente legítimo de decisão, ameaçando inclusive punir os responsáveis que se opuserem a sua determinação.

Surge então uma pergunta inevitável: trata-se de uma política preventiva de saúde pública ou de um mecanismo de controle social?

Ao observarmos a lógica por trás dessas ações, é impossível não recordar a distopia descrita por George Orwell em 1984. Na obra, o Estado – onipresente e onipotente – invade a intimidade dos cidadãos sob o pretexto de protegê-los. Em nome da ordem e da segurança, vigia-se cada gesto, cada pensamento, cada decisão. A liberdade individual se dissolve diante da máquina estatal, que tudo vê e tudo determina. “O Grande Irmão está de olho em você”, repete-se na narrativa orwelliana – e a frase parece ecoar cada vez mais próxima da nossa realidade.

Claro, é preciso cuidado ao traçar paralelos entre ficção e realidade. Gostemos ou não, o Estado moderno atribuiu a si mesmo o papel de garantidor de direitos e executor de políticas de saúde. Porém, essa concentração de poder – que cresce a cada geração – precisa ser observada com desconfiança por qualquer cidadão que valorize a liberdade e a autonomia da sociedade civil na garantia de direitos e na proteção da população, sobretudo em questões de saúde pública. Vacinas, como fruto da ciência verdadeira, salvaram milhões de vidas. Mas é justamente pela seriedade do tema que ela não pode ser transformada em ferramenta de coerção estatal, nem em mecanismo de engenharia social. É justamente por sua importância que ela não deve ser instrumentalizada politicamente, nem imposta sem diálogo, transparência e respeito às liberdades individuais.

Quando o Estado entra pela porta da frente, dificilmente aceita sair. E se não há resistência cultural, jurídica e social, ele não se contenta em administrar; quer educar, quer moralizar, quer decidir quem deve viver, quem deve ceder, quem deve obedecer. E assim, sob a fachada de proteger, o Leviatã moderno se alimenta da liberdade, da autonomia e da dignidade dos próprios cidadãos que deveria servir. E a história – tanto a real quanto a literária – mostra que essa linha tênue entre proteção e dominação, quando ultrapassada, tende a nos conduzir a destinos sombrios.

Indicação de leitura: O Leviatã, de Thomas Hobbes e 1984 de George Orwell.

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